sexta-feira, 8 de abril de 2011

A aula

Enquanto preparava sua aula sobre a historiografia francesa, lera em Michelet:

"Duro destino do historiador: amar, perder tantas coisas, recomeçar todos os amores, todos os lutos da humanidade. Acabo de ler alguns sonetos de Petrarca. Mas de quantos sonetos e canzoni eu precisaria para chorar tantos amores infelizes que meu coração atravessou de século em século."

Dispersara a atenção. Pegou outro livro. Lera um dos poemas de Cantares, de Hilda Hilst. Pensou no mito do amor. As tão diferentes leituras embaralhavam seus pensamentos. Acendeu um cigarro. Há quanto tempo não podia fumar assim livremente? As sombras ainda rondavam-na e ela fumou sob sustos e vontades de apagar o cigarro a qualquer barulho que ouvia. Então pensou no mito de Narciso, na busca do conhecimento, a questão da sombra e do duplo e a intrigante relação entre amor e ódio, amor e morte.

Apagou o cigarro confusa quando veio à sua cabeça a imagem dele. Não de M! O que a assustou é que vira aquele que sorrira para ela na última aula enquanto encontrava-se com o amigo, aluno de sua turma.
Por que sua imagem ficara assim cravada em sua mente?
Não podia. Ele era muito jovem. Bem mais jovem que ela. E agora o sorriso dele a invadia como o girassol amarelo de Pessoa.

Acendeu outro cigarro e disse para si: Preciso re(a)prender a fumar.

Essa fora a primeira tentativa de Gisela de voltar.

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