sexta-feira, 20 de maio de 2011

O que mais Gisela sabia agora? Que adorava senti-lo dentro dela (esse outro que não era M). Isso era a alegria.  E ela fugira. Fugira para saber que ele, dentro dela era para sempre. M estava morto. Morto dentro dela. De seu coração. Agora, ganhara o mundo. Arrumava malas. E o carregava dentro de si. E viver custava-lhe menos que o pensamento, como no poeta que amava.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Então Gisela acordou dos torpores todos. Parou de ver aguinhas nas ruas. Parou com tudo aquilo e compreendeu que não fora feita para amores. Com M não dera certo e não daria certo com mais ninguém. Caminhou apressada, primeiro como quem foge e depois como quem sabe. Entrou em um táxi. E fez um gesto que consideraria engraçado: tocou o coração, fez que arrancou algo de dentro dele e jogou pela janela do carro em movimento. Disse em pensamento: e joguei fora a chave de meu coração.
A água corria fina num mínimo córrego de meio de rua. E Gisela percebeu a fonte, o lugarinho de onde emanava a água que escorria fina e imperceptível para rua de cidade grande. Olhou o buraquinho, percebeu o movimento, lembrou-se de cenas da noite anterior. Pensou que o estava a cativar e pensou que estava a ser cativada por ele. Era impossível? Nada mais lhe era impossível. Sabia, sabia. Sorria e via a água correr, vinda de um mínimo e ela era um mínimo ali naquela rua, naquela cidade, naquela vida. E apesar de mínima, ela era. E ser e estar sendo era. Bastava e era feliz. Extraordinário.
Alice não sabia de si. Nunca mais saberia de si. Alice não existia, apenas vivia um dia atrás do outro. Alice era água limpa de cuia que queria lavar um passado qualquer, longíquo, inesquecível, ferino, mas também feliz.
Alice não era. Mas, pulsava, pulsava, pulsava. E só.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Esther extraíra há anos uma força gigantesca para sair do estágio letárgico em que passou a encontrar-se após a partida de Janaína e após a...Isso ela não conseguia falar nem mesmo a ela...Suas forças reunidas foram suficientes para que ela nunca mais pensasse. Acostumou-se ao silêncio e a ver a vida passando diante de seus olhos. Era voyeur de si mesma. Voyeur de um passado que insistia em não passar e que por isso se presentificava ad infinitum...
Colhidas as forças, saiu de dentro de si e voltou. Voltou para um mundo sem Janaína, sem sua barriga de grávida, sem suas atitudes de adolescente rebelde. Era muita falta. Ela era só buracos. Caminhou discretamente pelas ruas como que para provar que ela podia, que o seu mundo era reconstituível e que ela merecia, apesar de tantas dores desatinadas, apesar das dores lancinantes, ela merecia estar ali, caminhar, sentir o vento na cara, a roçar-lhe a cara (de leve ou com força), mas ter estado presa era o contraponto dessa consciência de merecimentos. Ter estado presa, literalmente presa, não lhe arrancou a lancinante dor. Não lhe arrancou Janaína da cabeça. Não lhe arrancou aquela lembrança, a mais funda, a menos dizível, a nunca pronunciada, a apavorante lembrança de.
Esther pensava nessas coisas, pensava no impensável quando o telefone tocou.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Enquanto Esther se voltava completamente a não esquecer-se de Janaína e, dessa forma, reviver todas as angústias do passado, inclusive dores que ainda não elaborara e enquanto Alice se esforçava para não amar, Gisela ria dentro dela. Descobria seu corpo, suas vontades e, ao se permitir, descobria coisas bonitas. Gisela estava sendo. Essa era a graça: Ser. Gisela era. Tinha sido há muito tempo e, agora, sentia como era especial  dividir, compartilhar tudo isso consigo mesma e com o outro. Ser simples era a maior complexidade. E ela atingia essa complexidade. Atingia sentir o vento em sua cara, em sua alma, em sua vida. E, por tudo isso, ria.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Alice e Esther por um tempo sumiram? Gisela sequer conseguia sentir solidões. Gisela, por esses tempos era puro encantamentos. Sorria, sozinha, antes de dormir. E sentia como se o tamanho do mundo a invadisse antes do sono mais profundo. Sonhava coisas lindas e acordava sem pensar em M. Ao menos da forma anterior. E achava que deveria ligar para Alice, para Esther. Eram irmanadas de uma maneira não apenas consanguínea. Sabiam. Mas. Eram alguns "mas" o que embargava tanta coisa boa na vida, pensava simplesmente (e como demorara para atingir a simplicidade!) Gisela. Fazia café pela manhã, bem cedinho, com o principiar do dia. Bebia-o em canecas (como gostava), assoprando um pouco de esperança para a sua vida. E assim o fazia porque isso era bom. E ela queria o bom da vida. Queria.