quinta-feira, 7 de abril de 2011

Das divisões

"A gente separa os livros, mas não separa as leituras que fizemos destes mesmos livros, tantos com dedicatórias, outros com histórias muitas...
A gente separa os cd’s, mas não separa os dias todos em que ouvíamos música trancados em seu quarto, em silêncio e sob a expectativa de um futuro feliz juntos...
A gente separa os filmes, mas não separa a experiência de vê-los a cada um juntos, observando os cochilos do outro, rindo com as reações mais pueris e sinceras, emocionando-se com a emoção do outro, falando pouco e entendendo muito, as vezes segurando as mãos, outras não segurando o tesão...
A gente separa as contas a pagar, separa os móveis, separa as roupas de dentro do armário, mas não esquece os lugares aonde fomos juntos, as tantas viagens que fizemos juntos, não esquece os muitos aniversários, as longas conversas antes de dormir, as aventuras fogosas que o desejo não deixava nunca que parássemos de viver, as gratas surpresas, os projetos muitos, as realizações parcas (mas felizes), os consolos nas horas ruins, as flores de repente, o número da camisa errado, a febre curada com mel escondido na caneca de chocolate quente, o cuidado, o carinho e a amizade, o toque mais provocante e a palavra mais engraçada...
A casa fica sim vazia de um de nós, mas as marcas da convivência levaremos por um bom tempo na memória do corpo, na falta daquilo que já não sabemos mais nomear de tanto separar..."

Fora isso, oh Esther, fora isso que dissera Gisela ao talzinho quando este veio, por fim, buscar as caixas que a ela cortavam o coração e deixavam uma esperança que só ela sabia nutrir de que conversassem e reatassem de uma vez elimando maus entendidos, ciúmes e um tanto de orgulho ferido! Indigna-me a irracionalidade de nossa intelectual irmã. Agora está ali, jogada na cama, com um pijama grosso, de flanela, num calor de 40 graus, a cara inchada de muito chorar e não fala uma palavra comigo há mais de três horas. Já inventei as mais diferentes doenças para cada pessoa da Universidade que liga para cá querendo saber o motivo de sua ausência logo hoje na reunião de departamento. A essas alturas, cada um já deve ter entendido ou que ela  levou um baita pé na bunda e que, por isso, não consegue se quer levantar-se da cama ou estão todos preparados para um velório em breve, pois tanta doença numa só pessoa: venhamos ou convenhamos...
Indigna-me tudo isto na única de nós que viajou para o exterior para fazer doutorado, sob as lágrimas de mamãe e sob a proteção financeira total de papai!

Fora isso que falara Alice a Esther que olhava impaciente para todos os lados. Impacientava-se com o relato em tom competitivo de Alice e com a insistência dramática em sofrer de Gisela.
E eu, eu não entendia muito essas vozes todas, todas inclusive parecidas, macias, guardavam como que uma semelhança assutadora. E eu que estava dentro de um ônibus urbano me limitei a pegar uma caneta e anotar as principais informações.

Qual o susto quando abri a porta de meu apartamento e lá encontro a cena que precariamente escrevera em pedaço de papel?

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