quinta-feira, 7 de abril de 2011

Um pouco de Esther ou do rompimento do silêncio de Gisela

 "Em suas meias brancas, sete oitavos, saia de colegial, cabelos presos em um rabo de cavalo longo e simples, saía a ouvir música em seu walkman.
Mascava chicles e irritava metade dos professores com suas gigantescas bolas na sala de aula a estourarem em sua cara causando risos em toda a turma.
Não sabia seu lugar no mundo.
Fumava escondido no vão da escada. E aquela era toda a subversão que conhecia.
Trepava com o namoradinho no carro do pai. Rebolava macio, nuazinha em pêlo. Desistira, após conhecer Janaína, de estar com qualquer outro homem.
Olhava Janaína de forma fixa, apaixonada.
Um dia, deu-lhe um beijo no pátio do colégio e saiu.
Toda a escola rira.
Era mais uma dela.
Tatuou o corpo. Colocou piercing. Apavorou as freiras.
Saiu do colégio.
Voltou com cabelos curtos, azuis. E os chicles.
A barriga crescera, pontuda. Era menino.
Meias, tricôs. Chá de bebê. Janaína e o namorado.
A paixão enfiada no íntimo.
O menino com cara de nada. Em seus braços. Os peitos a derramarem leite e vida. A vida na boca daquele que gestara e a quem teria que aprender a amar.
Pintou a boca de vermelho. No contorno. Para fora dele.
Hoje, trancada em um hospício, cabelos desgrenhados. Roupas brancas e poucas palavras. Entre elas: Janaína. Janaína".

O assunto era tabu. Mas, foi o que Gisela jogou primeiro na cara das duas irmãs quando as ouviu chamarem M de "o talzinho". E assim o fez rompendo um silêncio de três dias. Esther calara-se por um momento e caminhou até o toca discos. Lá, pode encontrar ainda o disco Fa-tal - Gal a todo vapor. Acendeu um cigarro, colocou a vitrola que há anos não rodava disco algum para funcionar e girou as duas irmãs na sala cantarolando com lágrimas no rosto e sorriso na boca:

"Não choro,
Meu segredo é que sou rapaz esforçado,
Fico parado, calado, quieto,
Não corro, não choro, não converso,
Massacro meu medo,
Mascaro minha dor,
Já sei sofrer.
Não preciso de gente que me oriente,
Se você me pergunta
Como vai?
Respondo sempre igual,
Tudo legal,
Mas quando você vai embora,
Movo meu rosto no espelho,
Minha alma chora.
Vejo o rio de janeiro
Comovo, não salvo, não mudo
Meu sujo olho vermelho,
Não fico calado, não fico parado, não fico quieto,
Corro, choro, converso,
E tudo mais jogo num verso
Intitulado
Mal secreto
"

As duas rodopiavam com caras assustadas. Pararam, sentaram-se, cada uma servida com uma dose de Whisky barato puseram-se a conversar.

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